terça-feira, 30 de setembro de 2008

“TODA PETIÇÃO É UM POEMA, TODO POEMA É UMA PETIÇÃO”


The Dreamers ou em português “Os Sonhadores” é uma produção cinematográfica ítalo-franco-britânica, dirigida pelo cineasta italiano Bernardo Bertolucci, em 2003, baseado no romance The Holy Innocents do escritor Gilbert Adair, também responsável pelo roteiro do filme. “Os Sonhadores” traz ao cinema mundial a contextualização utópica do “eu”, contrapondo-o ao “outro” e à “nós” em um jogo de espelhos multifocais, reluzindo chamas à década conhecida como o re-surgimento dos sentindos e das ideologias.
A trama começa no momento em que Henri Langlois é demitido da direção da Cinemateca francesa pelo escritor André Malraux, ministro da Cultura do presidente Charles De Gaulle. A demissão deixa revoltados estudantes e os maiores cineastas de todo mundo. Gente como Godard, Truffaut, Kurosawa, Fellini e até o brasileiro Glauber Rocha protesta contra a demissão. Uma manifestação em frente à Cinemateca é dispersa com bombas enquanto a polícia tenta conter os estudantes, cineastas e escritores.
O filme parte do amor que o diretor tem pelo grande cinema, transpondo-o para a atmosfera da época, onde são criados três personagens que se conhecem e passam a dividir a mesma paixão. O descarrilar dos fatos são pontuados entre os meses de fevereiro e maio de 1968, em Paris, no cerne da revolução que colocou estudantes frente a frente com a polícia e entrou para a história mundial.
Utilizando este cenário Bertolucci dá vida aos sujeitos “comuns”, pessoas do dia-a-dia, produzindo uma história do cotidiano em detrimento da história monumental, que costuma dar visibilidade somente às celebridades históricas. Bertolucci apresenta, então, Matthew (Michael Pitt), estudante norte-americano em intercâmbio em Paris, que conhece a francesa Isabelle (Eva Green), irmã gêmea de Theo (Louis Garrel). Em pouco tempo de convívio eles se tornam um trio encorajado pela insurreição vinda de seus próprios interiores a serem deglutidos pelo outro, ora norteador e outras vezes hermético.
Excêntrico em sua arte de fazer cinema Bertolucci choca os conservadores europeus e tem sua estréia em solo americano censurada mesmo no século XXI. O ano de 1968 corresponde a vários fenômenos históricos, tais como as invasões estadunidense no Vietnã e da União Soviética na Tchecoslováquia. Mas, quando o diretor tenta representar, sobre sua ótica, os acontecimentos que marcaram o Maio de 1968, ele brinca com o mais precioso bem humano: a hipocrisia, despindo-se dos pudores, indígnos do momento histórico, frente às lentes imberbes da linha de produção cinematográfica contemporânea.
Bertolucci traz à luz no interior de seu filme 15 grandes produções cinematográficas das antigas para clarear as mentes jovens e ao mesmo tempo costurar a sua colcha de retalhos pós-moderna na qual a assepsia confunde-se com a guerra e a moda agride o corpo sem subterfúgios, desencorajamento ou medo. A frase “Toda petição é um poema, todo poema é uma petição” propõe a atmosfera em que jovens, adultos, intelectuais, escritores e cineastas versejavam em busca de uma realidade ideal ao mesmo tempo mista e plural, contrapondo-se a utopia rasa do objetivo de ter dentro daquilo que não é; tornando-se toda petição uma folha de cheque, e toda folha de cheque uma petição.

Por Túlio Henrique Pereira
Historiador

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

BLADE RUNNER: MEMÓRIAS DE SI, MEMÓRIAS DOS OUTROS


Blade Runner (1982) é um filme americano, do gênero ficção científica, realizado por Ridley Scott e ilustra uma visão pessimista e futurista de Los Angeles, em 2019. Propomos discutir como a memória cria efeitos de sentido no filme, quer seja por meio da recorrência à teoria criacionista do mundo ou a símbolos que constituem a cultura visual da contemporaneidade. Neste filme, saltam aos olhos o suspense, a paradoxalidade e a dissonância entre elementos ao longo da narrativa. A tradição popular une-se à tradição intelectual e há uma ligação com o mundo mítico da unidade dos contrários como a relação eu-mundo, finito-infinito e criador-criatura.
Os replicantes são trazidos no filme como corpo criado à semelhança do ser humano, sendo mais forte e ágil e com inteligência semelhante – “mais humano que um humano”. Isso nos remete à memória judaico-cristã da própria criação do homem por Deus, um ser superior. Mais um ponto que desperta interesse é a questão da memória explicitamente figurada no replicante como algo necessário para controlar suas emoções, quer seja por meio de sonhos ou fotos, que lhe são implantadas a partir de experiências humanas reais. O ser humano é, por natureza, um ser de memória, que cria coleções, monumentos e santuários para mantê-la. Questionamos, pois, que lugar realmente a memória tem em nossas vidas? Até onde nossa memória não exerce um poder sobre nossas emoções e conduta? Seria ela mais um elemento explorado na combinação complexa de técnicas de individualização e de procedimentos totalizadores?
Ironicamente em busca do sobre-humano, do maravilhoso, Blade Runner é atravessado pelo sentimento de dualidade do mundo que condiciona o ser humano: mundo interno-externo; poesia - cotidiano futurista; tradição – inovação; essência - aparência; imaginação - realidade. A questão de se pensar uma luta entre seres humanos e replicantes evoca questões imemoriais: quem somos nós? De onde viemos? Para onde iremos? Por que não somos imortais? O que nos torna humanos? No filme, esse conflito figura através da caça em si aos replicantes que retornaram a Terra e é ilustrado pelo jogo de xadrez, em que indica as peças que poderiam ser excluídas segundo interesses do homem. Outra questão, ainda, neste jogo, mostra que os replicantes não aceitam uma vida curta, buscando a imortalidade como a “rainha”. Relacionam-se a idéia do xadrez e da imortalidade na descrição da partida de xadrez entre Tyrell (o criador) e J.F. Sebastian (o assistente), que reproduz a finalização da partida real entre Anderssen e Kieseritzky, em Londres, 1851, considerada a mais brilhante e conhecida por "The Immortal Game".
Com relação aos elementos simbólicos usados, destacamos o olho, com seu vasto campo semântico e metafórico, que se liga à vida ou à morte, figurando como expressão de sentimentos, retrato de estados de alma. Os olhos recebem destaque no filme quando os replicantes encontram quem os constrói e são focalizados longamente, trazendo a memória do olho como símbolo solar e da inteligência, do espírito inquieto e pesquisador, entrada da luz solar que clareia a inteligência e alimenta o espírito - os antigos adoravam o olho como símbolo de comunicação com Deus.
Com relação ao tratamento estético do filme, observamos que os contornos do mundo aparecem vagos, num jogo freqüente do claro-escuro, excelente para construir a atmosfera do estranho, do insólito, do onírico. Esse jogo constrói um outro que está na ordem do exercício de poder: de onde advém o poder da criação? Que status ocupa o homem nessa criação? Foi dado ao homem o poder de (re)criar?
Enfim, essas memórias e sua construção de efeitos de sentido delineiam a história de sujeitos em relações de poder, que os interpela em lutas transversais e imediatas e coloca em questão o estatuto do indivíduo. Todas essas lutas nos impõem a questão: quem somos nós?


Janaina de Jesus Santos
Mestranda em Lingüística - UFU
Museu Regional de V. da Conquista – UESB

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Disciplina e controle do "mais forte"


“Pixote, a Lei do mais fraco” foi considerado um dos melhores filmes da década de 80, um drama brasileiro baseado na obra de José Louzeiro, “Infância dos mortos”, que trata da tragédia da infância traumatizada pela fome e pela violência, representado por crianças que viveram esse universo.
O personagem principal, Pixote, interpretado por Fernando Ramos da Silva, é um garoto abandonado pelos pais e recolhido a um reformatório depois da morte de um desembargador. Lá, o garoto de apenas 10 anos, tem contato com muitos outros jovens delinqüentes e, juntos, se preparam para viver no mundo que está do lado de fora. A casa para onde os menores são recolhidos no filme é um verdadeiro Panóptico de Bentham, figura arquitetural estrategicamente construída em forma de círculo com uma torre de vigilância de onde seria possível controlar os detentos. A figura do vigia na casa, aquele que dita as ordens, traz à tona a questão da sociedade disciplinar, alguém que mostra a forma como se dá o regimento interno da instituição.
Pixote e um grupo de garotos conseguem fugir do reformatório e, nas ruas turbulentas de São Paulo, encontram no crime uma forma de se manifestar e de sobrevivência, mantendo-se de pequenos assaltos. Ele e sua turma se aproveitam do estado de impunidade, uma vez que, sendo menores de idade, não seriam passíveis de condenação. Esta idéia está presente no próprio título do filme, o enunciado “A lei do mais fraco” produz um efeito de sentido que expõe o problema da proteção legal aos menores de 18 anos.
O Pavilhão Euclides da Cunha, instituto onde se passa o primeiro momento do filme, remete a dois lugares, em dois tempos: A casa dos jovens detentos em Paris e a FEBEM. Nestas três instituições disciplinares há um severo controle da rotina, onde existem horários e regras estabelecidas para cada atividade. O papel dos vigias, guardas, é fazer imperar a ordem do silêncio, o que condiciona o corpo a este sistema de coação, privação, obrigações e interdições que visam privar o indivíduo de sua liberdade.Em uma sociedade capitalista o desenvolvimento da polícia e da vigilância das populações são instrumentos essenciais de controle. O controle social na gestão dos corpos se exerce além das instituições criminológicas, nas psicológicas, psiquiátricas, médicas, pedagógicas e judiciais. Os mecanismos de vigilância abusam de todo tipo de penalidade para controlar através do terror. Os castigos não atuam somente no que fazem os garotos, mas sobre a capacidade que eles têm de fazer.
Durante vários momentos podemos verificar a presença de sujeitos que simbolizam a figura materna. A ausência que Pixote sente de sua mãe desaparecida é expressa através do encantamento e apego que o personagem demonstra por alguns elementos e personagens como Nossa Senhora, a psicóloga, a professora, Lilica (homossexual) e a prostituta. Essa carência de atenção faz com que olhemos com ternura o garoto, marginal, mas de infância perdida. O desequilíbrio familiar é pano de fundo para esta trama que trás a violência e o sonho, provocando um misto de sensações em uma realidade que incomoda.
Mas, no final de tudo ainda nos fica a pergunta: se as representações de Pixote nos remetem ao “fraco”, porque discipliná-lo/ controlá-lo. Não seriam essas técnicas e táticas o temor que desperta o “mais forte”?

Por Júnia Ortiz e Carolina Coelho (Comunicação Social - Uesb)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Uma Janela para o Conhecimento

Para ver e discutir o corpo no cinema

O Grupo de Estudos sobre o Discurso e o Corpo (Grudiocorpo), em parceria com o Programa Janela Indiscreta, promove o curso Análise do Discurso – O Corpo no Cinema do Século XX, que acontece todas as terças-feiras do mês de setembro, no Teatro Glauber Rocha da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, às 18h30. A programação do evento é composta por exibições e análises de cinco filmes. O curso é ministrado pelo professor Nilton Milanez, coordenador do Grudiocorpo, e estudantes que participam do Grupo. Doutor em Lingüística e Análise do Discurso, Nilton é professor do Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários (DELL) da Uesb, campus de Vitória da Conquista, e desenvolve constantes pesquisas relacionadas ao corpo e à mídia.
O curso tem como objetivos discutir a Análise do Discurso e estudar a construção do corpo a partir dessa linha teórica, identificando, por exemplo, fatores que determinam se um corpo é bonito, feio ou levam à sua transformação ao longo do tempo. “Vamos pensar como nós, sujeitos do dia de hoje, nos inscrevemos na história e de que forma essa história se mostra; ela tem uma singularidade. Estamos mostrando as singularidades históricas do corpo nesses filmes dentro dessa disciplina”, explica Milanez.
Antes da exibição do filme nos encontros, acontece a apresentação e análise do tema. Após assistirem à película, os participantes do curso têm a oportunidade de comentar e discutir o assunto. Mais de 100 pessoas estão inscritas no evento. O primeiro filme exibido foi Nosferatu, uma produção de 1922. A película, dirigida por F. W. Murnau, é baseada no clássico da literatura Drácula, de Bram Stoker (1897). A construção do corpo monstruoso foi um dos principais assuntos discutidos nesse dia e o corpo do macabro personagem “Nosferatu”, o alvo da análise.
Nosferatu provocou vários comentários e interpretações a respeito da utilização dos recursos técnicos e dos efeitos de sentido que eles podem causar. As opiniões surpreenderam o professor Nilton Milanez: “Os estudantes têm trazido coisas hiper interessantes a respeito dos filmes, aspectos que eu, há muito tempo trabalhando a questão do corpo, não havia pensado. Acho muito legal essa contribuição dos alunos. O trabalho é uma construção também do público que está assistindo”.
O curso é uma oportunidade especial para quem aprecia a Sétima Arte e quer conhecer um pouco mais da Análise do Discurso fundamentada nos conceitos do teórico Michel Foucault. É o caso do estudante de Comunicação Social da Uesb Rafael Carvalho, que participa pela primeira vez de um evento relacionado à Análise do Discurso. “O curso é interessante por ligar essa linha de estudo ao cinema e ampliar o nosso conhecimento. Existe uma base teórica e isso faz com que a gente tenha curiosidade. Nós aprendemos alguma coisa e aliamos isso à questão do filme. Está sendo bastante agradável”, avalia Rafael Carvalho.
O filme exibido no segundo encontro foi Freaks, dirigido por Tod Browning e lançado em 1932. Foram analisadas questões como anormalidade, espetacularização e moralidade. “Há muito tempo que eu não gostava tanto de um filme assim”, revela o jornalista Gil Brito, se referindo a Freaks. “O roteiro é muito bem feito. É interessante esse confronto na definição de monstro. Primeiro, o critério para considerar alguém ‘monstro’ era físico, mas, depois, na segunda metade do filme, passa a ser a questão de caráter. Gostei muito, por isso”, conclui.
A aluna de Comunicação Social da Uesb Luara Vieira, que analisou Freaks, afirma que o filme é muito rico em relação aos elementos da Análise do Discurso. Luara faz parte do Grudiocorpo há um ano e tem apresentado trabalhos científicos em diferentes universidades do país. “O projeto contribuiu muito para a minha formação como estudante. Eu vejo que tive uma grande chance de me aperfeiçoar, conhecer uma nova teoria e aumentar meus conhecimentos”, declara Luara Vieira.
Nilton Milanez diz que não costuma fazer separação entre professor e aluno na pesquisa: “É um trabalho em conjunto, que a gente realiza dentro do Grudiocorpo. Os alunos que estão apresentando análises no curso conquistaram esse espaço pelo trabalho, pelas nossas discussões, pelas leituras. Quando a gente tem um trabalho legal assim, é preciso ter visibilidade”.
Três filmes ainda serão exibidos e discutidos no curso: Pixote, Blade Runner e Os Sonhadores. No próximo dia 16, será a vez de Pixote surpreender o público.

Por Ana Oliveira

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

FREAKS: "O CIRCO DOS HORRORES"


Freaks é um filme de 1932, mas que só veio ter o seu momento de glória nos anos 1960. Foi considerado um filme forte por retratar as misérias humanas, por fazer das deficiências dos sujeitos um espetáculo de horror. No seu ano de produção o mundo vivia o terror sob o comando de Adolf Hitler, o ditador que queria o poder sobre a Alemanha para instituir a raça ariana, a raça pura. O mundo estava em pânico e, como a concorrência entre as empresas cinematográficas era gritante, seria preciso criar um filme exclusivo, com “monstros de verdade”. Foi aí que nasceu a idéia de contratar pessoas com deformidades físicas para compor o filme.
A estória conta com a participação, na voz da maioria dos críticos, de um triângulo amoroso: Cleópatra (trapezista) que ama Hércules (domador) e é amada por Hans (anão). Mas, eu ousaria chamar de quarteto amoroso, já que Hans é amado pela anã Frieda. Cleópatra e Hércules, o casal “normal” são amantes e, ao descobrirem que Hans é herdeiro de uma fortuna, armam a trama em que Cleópatra fingirá estar apaixonada por Hans, casando-se com ele, para após o casamento, envenená-lo e ficar com seu dinheiro. No entanto, o plano é descoberto pelos “monstruosos” amigos de Hans, salvando-o da armadilha que destruiria sua vida.
O filme tem início com a seguinte expressão: “vocês verão monstros de verdade, que vivem e respiram como a gente...”, enunciado carregado de efeitos de sentidos, apresentando sujeitos como animais exóticos, como algo que nunca pudéssemos imaginar que existisse no mundo. A linguagem utilizada denota horror e a separação desses sujeitos no grupo da raça humana, como se eles não fossem seres humanos, mas espécies de outro planeta, extra-terrestes, se assim podemos dizer. O filme, contudo, vai se tornar ao mesmo tempo um lugar de segregação e resistência aos modelos sociais corporais.
A partir da ótica da Análise do Discurso, essa obra traz consigo alguns elementos que merecem destaque: a deficiência como anormalidade, a segregação do sujeito, a espetacularização do corpo “feio”, a moralidade dos sujeitos. Assistir Freaks é mergulhar em um universo de sentidos e “verdades” inacreditáveis. Uma estória que se passa em baixo da lona de um circo, lugar que simboliza de alegria e diversão. Entretanto, nesse contexto trata-se de um show de “monstruosidades”. Os sujeitos com suas deficiências específicas são mostrados ao público como motivo de medo e piada. São expostos sem qualquer vestígio de respeito ou profissionalismo da arte que desenvolvem no picadeiro.
A moçinha do filme, a trapezista Cleópatra, dita como “normal”, é linda e ao fim de sua apresentação os aplausos são incontáveis; em contrapartida, para os “monstros”, como são chamados, os aplausos vem porque trouxeram risadas ou terror para os espectadores. Os “normais” convivem com os “anormais”. Todavia, isso acontece para a criação de uma moralidade, que busca dizer que existe sim uma distinção entre a raça humana.
Temos nesse filme uma segregação a olhos nus, uma vez que contracenam corpos tidos como “normais” e “anormais”. Porém, esses sujeitos e seus corpos se distanciam a partir do momento em que os “anormais” não são vistos como “lindos” ou “espetaculares” nas suas apresentações, mas como as “aberrações” (os “Freaks”) presentes no mundo que precisam ser conhecidas pela sociedade. Quanto à moralidade, pode-se perceber que os verdadeiros “monstros” são os “normais” da estória: Cleópatra e Hércules, os malvados e corrompidos pela ganância da cobiça. E que os “monstros” não passam de sujeitos “normais”, que têm suas habilidades, fruto de suas necessidades diárias, exploradas pela sociedade.
Freaks é um filme para quem quer compreender que a sociedade humana é composta por sujeitos com características distintas, para quem acredita na diversidade e vive as diferenças. Um filme, sem dúvida, de sujeitos comuns, que vivem as batalhas do cotidiano. Se você não tem medo de ver na tela às mesquinharias de uma sociedade e abomina o preconceito, parabéns, você está apto a assistir Freaks. Bon appétit!
Por Luara Vieira

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

NOSFERATU: SINFONIAS PARA UM DISCURSO SOBRE O SUJEITO

Nosferatu é um filme mudo, alemão, de F. W. Murnau, produzido em 1922. Curiosidades a parte, quero me ater brevemente a três elementos que produzem efeitos de sentidos que não podem escapar ao espectador: um tipo de estória de amor, a monstruosidade do corpo e a virtualidade corpórea do homem contemporâneo.
Apresentando a estrutura clássica de um filme de vampiro como todos aqueles que se basearam em Drácula, de Bram Stoker, temos uma trágica trilogia amorosa entre o vampiro, Nosferatu, a bela moça, Nina, e o mocinho da estória, Jonathan Haker. Esse amor compartilhado pelos/e entre os três personagens não é explícito nesse filme, mas pode ser compreendido e verificado em versões posteriores como Drácula e Entrevista com vampiro. Certamente, não considero Nosferatu um filme isolado, mas povoado a sua margem por outros enunciados, que o desloca para outros espaços, produzindo efeitos que fazem parte de mosaicos cinematográficos alhures.
O corpo de Noferatu fora dos padrões normais da época na qual encontra ressonância, aponta para uma sociedade da normalização dos corpos, mostrando lugares considerados normais e outros anormais, dicotomizando, assim, comportamentos, sentimentos, anomalias e amores. A presença de um corpo próximo à bestialização, com unhas longas como de animais, olhos esbugalhados como o do louco sempre em espanto constroem os contornos de um corpo segregado, cuja figura meio animal/meio homem desautoriza o sujeito socialmente e o exclui das regras e normas das práticas da vida. Assim, o filme nos dá a ver o elemento de distúrbio da ordem, de desestabilização do poder, de desestruturação do amor nas linhas familiares do papai e mamãe.
Nosferatu se apresentará também sob suas sombras refletidas nas paredes, nos muros, nos olhos do próprio espectador. Essas inquietantes sombras de uma simples e natural imagem do corpo de Nosferatu nos lançam a nossa própria arqueologia e governo da produção humana de imagens: de um lado, é prova da negação do corpo dissolvido em seus contornos, mas de outro, é a marca indubitável do paradoxo da própria ausência daquele corpo. Ora, estamos diante da virtualidade dos corpos, objeto de discussão no século XXI, mas já caracterizado nos inícios do século XX.
Enfim, esses poucos elementos começam a delinear a história de um sujeito do desejo, que nos move, nos faz olhar a nós próprios, olhar também do qual fugimos, mas um olhar inquiridor, vindo de uma suposta janela da frente... O que, então, olha Nosferatu, preso às vidraças de sua janela? Para quem olha? Por que olha? Mais do que querer espelhar algo, ao meu ver, o filme Nosferatu produz imagens de nossos anseios e desejos, tecendo linhas que constituem a arqueologia dos saberes do homem de hoje.

Nilton Milanez


segunda-feira, 1 de setembro de 2008

O Corpo no Cinema do Século XX

Título: Análise do Discurso: o corpo no cinema do século XX
Coordenador: Prof. Dr. Nilton Milanez
Início: 02/09/2008 Término: 30/09/2008

Resumo: Este curso se insere na discussão dos trabalhos desenvolvidos pelo GRUDIOCORPO – Grupo de Estudos sobre o Discurso e o Corpo, coordenado pelo Prof. Dr. Nilton Milanez do DELL – Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários, na UESB de Vitória da Conquista. Propomos a discussão do corpo como objeto discursivo, compreendido como símbolo e metáfora no interior da história, observando a produção de sentidos que deriva de produções cinematográficas consideradas cults. Problematizaremos o corpo nas suas relações com a exterioridade sócio-histórica que lhe impõe coerções e lhe oferece liberdades. Nesse contexto, sob a luz da Análise do Discurso, tomando os postulados de Michel Foucault, apontaremos a constituição dos sujeitos nos dias de hoje, evidenciando as memórias do discurso que permeiam imagens cinematográficas de nossas práticas cotidianas.

Cronograma:
1° Encontro – Dia 02/09/2008, terça-feira
Horário: 18h30 às 21h30
Conferência - Unidade e dispersão : a construção do corpo monstruoso.
Conferencistas: Prof. Dr. Nilton Milanez. e Gracielly Bittencourt Machado
Projeção do Filme: Nosferatu, de Murnau, 60 minutos.
Discussão.

2° Encontro – Dia 09/09/2008, terça-feira
Horário: 18h30 às 21h30
Conferência - A construção da verdade: naturalização do corpo anormal?
Conferencistas: Prof. Dr. Nilton Milanez e Luara Pereira Vieira.
Projeção do filme: Freaks, De Tod Browning. 62 minutos.
Discussão.

3° Encontro – Dia 16/09/2008, terça-feira
Horário: 18h30 às 21h30
Conferência – Procedimentos de controle: a disciplinarização do corpo marginal.
Conferencistas: Prof. Dr. Nilton Milanez, Carolina Coelho Pinheiro e Júnia Cristina Ortiz Matos.
Projeção do filme: Pixote, a lei do mais fraco. 128,4 minutos.
Discussão.

4° Encontro – Dia 23/09/2008, terça-feira
Horário: 18h30 às 21h30
Conferência – Sujeito e identidades: a memória do corpo construído.
Conferencistas: Prof. Dr. Nilton Milanez e Prof. Mestranda Janaina de Jesus Santos
Projeção filme O Caçador de Andróides, de Ridley Scott. 117 minutos.
Discussão.

5° Encontro – 30/09/2008, terça-feira
Horário: 18h30 às 21h30
Conferência: Enunciado e Arquivo: o corpo e suas resistências
Conferencistas: Prof. Dr. Nilton Milanez e Prof. Túlio Henrique Pereira

Colaboração: Janela Indiscreta

Apoio Cultural: Livraria Letras e prosa