quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Observações sobre o corpo no conto de Hoffman: Profa. Dra. Lucia Ricotta


No dia 06 de outubro, a professora adjunta da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Lucia Ricotta - graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica/RJ, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e doutora em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica/ RJ - discorre sobre o corpo no conto O Homem da Areia, de Ernst Theodor Amadeus Hoffmann,emuma Conferência realizada pelo LABEDISCO no curso "Discurso e Corpo: imagens na mídia e naliteratura". Para situar os leitores perante o que foi discutido na Conferência, disponibilizamos um texto sucinto e logo em seguida, o próprio conto para aqueles que desejam ler e tê-lo em seu computador.


O Homem da Areia de Ernst Theodor Amadeus Hoffmann (1776-1822), cuja primeira publicação foi em 1817, pertence à tradição do Kunstmärchens, fairy tale, contos feéricos, visionários e está ligado ao maravilhoso, ao fantástico, ao anônimo, ao folclórico, porque tem uma referência forte em variantes de histórias populares orais. Por outro lado, também está ligado ao chamado Schwarzen Romantik (o romântico noturno, sombrio, enegrecido, tingido de negro). Nesse sentido, ele pode ser classificado como um Schauerroman, uma história de suspense. Então, o homem de areia é conhecido popularmente, como a própria babá do personagem do conto relata, como um homem malvado que aparece para as crianças travessas quando elas não querem ir dormir e joga nos olhos delas um punhado de areia, de forma que os olhos saltam do rosto sangrando; depois o homem de areia pega esses olhos das criancinhas travessas e os carrega para a lua, para alimentar seus rebentos. E lá seus rebentos empoleirados em seu ninho bicam, com seus bicos de coruja, os olhos das criancinhas travessas. Neste sentido, tem-se a questão da visão/clareza e visão/terror, visão/delírio imaginativo e desvario imaginativo = visão como engajamento poético na vida. Nesse texto, Hoffmann parece se fixar no tema do olho, na faculdade visual do olho, do olhar, da visibilidade, da aparência para revelar o quanto esses são sentidos enganosos, que baralham as fronteiras entre real e imaginoso ou ficção e realidade. Não existe uma visão pura, desprovida de paixão, de afecção que o mundo dos fenômenos pode nos provocar. Trata-se de uma visão do espírito. Mas não uma visão espiritualista, mas a visão animada do espírito, pelos poderes da mente do espírito. Uma visão que engendra outras visões daquilo que não está lá. Com isso, ele nos sugere que a visão do mundo exterior não é uma visão transparente, direta, imediata, mas trata-se de uma visão mediada pela mente, pelo espírito poético etc.

Portanto é possível pensar infância/pureza e perversidade; na questão das mediações e instrumentalizações; do sujeito que vive lançado sobre sua alma, que assujeita o mundo ao seu ponto de vista; do corpo como maquínico com vida e um corpo maquínico sem vida. O humano como maquínico, a inimaginável humanidade das máquinas, que, na verdade, está ligado à questão subterrânea sobre o que há de inumano e de inumanidade no homem ou no humano e a questão do estranho-íntimo. A dimensão do outro em nós, a dimensão do desconhecido, do soturno, sombrio que está ao lado da razão clara e distinta. Talvez isso explicaria porque o estranho, o abjeto (aquilo que é desprezível, baixo, ignóbil) causa-nos um magnestismo, no sentido de que somos atraídos por algo que não podemos conhecer.

A questão do estranho-íntimo como sublime: o estranho e monstruoso também estão ligados a uma dimensão do sublime, daquilo que não é passível de representação, que ultrapassa as faculdades de apreensão da razão humana, é maior que o homem, tem uma dimensão de ininteligível, nossas faculdades da imaginação, entendimento e razão não estão à altura dele, literalmente. O sublime, segundo Kant, torna nossa capacidade de resistência de uma pequenas insignificante em comparação com o seu poder. Não é possível conceitualizar o sublime terrificante, no entanto, não podemos resistir face à grandeza de impressões que ele nos provoca.

Os personagens:

1 – Natanael: protagonista completamente narcísico, cujo nome vem de natal (nascimento) e tânatos (o deus grego da morte). Freud vai interpretar tânatos como a pulsão de morte em contraposição à Eros, a pulsão da vida. Personagem completamente nebuloso que vive em meio a uma imaginação feérica, causada por uma espécie de trauma de infância, que veio da morte do pai. Completamente aterrorizado e ao mesmo tempo fascinado pelo homem de areia. Ver p. 115.

2 – Clara: noiva de Natanael, uma personagem lúcida, alegre, com idéias claras e distintas, que repreende a copiosa imaginação de seu noivo e representa uma espécie de limite à loucura imaginosa dele, aponto de ele a chamar de “autômato sem vida”: p. 122, 123 e p. 128.

3- Coppelius – um cara assustador, horripilante, desfigurado, deformado, o qual corresponde, do ponto de vista de Natanael, ao homem de areia. É um amigo do seu pai, que chega todas as noites na casa de Natanael, na hora em que a mãe leva os filhos para dormir. É o cara que faz com seu pai experimentos alquímicos. Ele representa o unheimilich: o estranho, o sinistro que fascina e aterroriza, ao mesmo tempo, é o estranho-íntimo, essa acho a melhor tradução. Ver p. 117, 118 e 119.

4- Coppola (nome italiano que quer dizer o côncavo do olho, Augenhöhle): é um vendedor ambulante italiano que vende barômetros, lentes, óculos, lunetas, um fatal vendedor. Nataniel confunde Coppola e Coppelius. Interessante que esses instrumentos da visão, que visam a aproximar, distanciar e instrumentalizar uma visão mais precisa e rigorosa do real, do detalhe realista é justamente o que vai embaralhar o espírito de Natanael, é justamente o que irá expor as formas invisíveis a seus olhos.

  • 5 - Olímpia (aquela que veio do olimpo; como uma espécie de escárnio ao clássico): Filha do professor de Natanael, que ele mais tarde descobriu que era uma autômata, uma boneca feita de mecanismos, e que se tornou o fundamento da loucura e insanidade de Natanael. Ela inspira o amor e a paixão inebriante e cega de Natanael, a ponto dela ser representada por ele como um autômoto com vida. A visão dos olhos dela, do ponto de vista de Natanael, é maior que todas as linguagens, dela emana a paixão que vai irradiar todos os pensamentos de Natanael, nela ele encontra todo o seu ser. P. 133 e 134
  • E o final: p. 145 e 146.
  • Ler passagem em que ele descobre que ela é um autômato. P. 142 e 143.
  • 6 – Lotar: o irmão de Clara
  • 7- Spalanzani: o pai de Olímpia.
Conto: O homem da areia