domingo, 8 de novembro de 2009

O Desdobrar de imagens: Questões de discurso e representação, por Janaina de Jesus Santos


No dia 16 de Outubro deste ano, Janaina de Jesus Santos ministrou uma palestra sobre o texto "Isto não é um cachimbo", de Michel Foucault. Janaína possui graduação em Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2000). Especialização em Lingüística aplicada ao Ensino do Português (2006). É Coordenadora Pedagógica do Museu Regional, Assistente de Pesquisa do Grupo de Estudos sobre o Discurso e o Corpo, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e professora na Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Atualmente, cursa Mestrado em Estudos Lingüísticos na Universidade Federal de Uberlândia e participa do Grupo de Pesquisa em Análise do Discurso - GPAD. Esta palestra tratou sobre questões relacionadas ao discurso e representação, conforme Foucault em "As palavras e as coisas".

O DESDOBRAR DE IMAGENS:

Questões de discurso e representação


Janaina de Jesus Santos (UESB/ UFU/LEDIF/GRUDIOCORPO)


Ao analisar o quadro geral da idade clássica, Foucault (2002a) problematiza o universo da ordem e da representação. Uma época em que as palavras e as coisas se distanciam: as coisas não mais falam, nem guardam uma verdade secular; são, antes, tomadas como signo no domínio dos conhecimentos empíricos, em detrimento de uma semelhança. O mundo deixa de ser texto indefinidamente interpretável. A relação do signo com o conteúdo não mais é assegurada na ordem própria das coisas, e sim no liame entre a idéia de uma coisa e a idéia de uma outra. Isto é, não há sentido no mundo, anterior ou exterior ao signo. “Eis, pois, os signos, libertos de todo esse fervilhar do mundo onde o Renascimento os havia outrora repartido. Estão doravante alojados no interior da representação, no interstício da idéia, nesse tênue espaço onde ela joga consigo mesma, decompondo-se e recompondo-se.” (FOUCAULT, 2002a, p. 93)

Seguido do abandono da interpretação e do estabelecimento da ordem, temos uma cientificidade empirista que fala da possibilidade e da impossibilidade da representação. Tenta-se definir a positividade em termos matemáticos, tentando aproximar os seres e criar um inventário de tudo nas ciências humanas que seria matematizável (FOUCAULT, 2002b).

No século XIX, a teoria da representação desaparece como fundamento geral de todas as ordens possíveis, a linguagem deixa de ser um quadro espontâneo e primeiro das coisas, como suplemento indispensável entre a representação e os seres. De acordo com Foucault (2002b), as ciências humanas se constituem na forma como o homem se representa: “é esse ser vivo que, do interior da vida à qual pertence inteiramente e pela qual é atravessado em todo o seu ser, constitui representações graças às quais ele vive a partir das quais detém esta estranha capacidade de poder se representar justamente a vida.” (FOUCAULT, 2002b, p. 487)

Analisando a representação, Foucault (2006a) questiona como ela acontece no quadro do pintor René Magritte “Ceci n’est pas une pipe”. Inicialmente, propõe analisar o quadro como caligrama em que as palavras conservaram sua derivação do desenho e seu estado de coisa desenhada, em que as lemos superpostas a si próprias. Palavras desenhando palavras e formando, na superfície da imagem, uma frase que diz que isto não é um cachimbo, no deslocamento do texto para a imagem. Depois, pondera que em sendo o cachimbo representado, desenhado com a mesma mão e com mesmo instrumento que as letras do texto, ele é uma extensão das letras. E conclui que “A prévia e invisível operação caligráfica entrecruzou a escrita e o desenho; e quando Magritte recolocou as coisas em seu lugar, tomou cuidado para que a figura retivesse em si a paciência da escrita e que o texto fosse apenas uma representação desenhada” (FOUCAULT, 2006a, p. 252).

Assim, Foucault (2006a) conclui sobre o imperativo de fazermos leituras que ultrapassem as barreiras da decifração, para que analisemos nas possibilidades de sentido do texto, além do próprio texto, uma vez que no próprio ato de ler a forma se dissipa, desenrolando apenas o sentido num processo situado no espaço e no tempo. Para quem o lê, o caligrama não diz a coisa representada, ele está demasiadamente preso na forma e dependente da semelhança. Por conseguinte, o caligrama não diz e não representa nunca no mesmo momento, sua leitura é sempre atualizada no seu acontecimento. A forma desenhada do cachimbo expulsa o texto explicativo ou designativo: “O caligrama desfez este interstício; mas, uma vez reaberto, ele não o restaura; a armadilha foi quebrada no vazio: a imagem e o texto caem cada um do seu lado, de acordo com a gravitação que lhes é própria.” (FOUCAULT, 2006a, p. 254). Texto em imagem de texto e imagem em texto.

A representação do real, por si mesma, é parte do real, não se constrói numa relação paralela ou independente. Mesmo ao pensarmos o cinema como lugar privilegiado para compreendermos o movimento discursivo, temos em vista que nunca vai alcançar o fato em si, será sempre uma representação do fato que se multiplica e presentifica a cada ato de análise. Portanto, a única forma de apreendermos o real é por meio de nossas percepções dele.


Referências

FOUCAULT, Michel. Repersentar. In: As palavras e as coisas. Uma arqueologia das Ciências Humanas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 63-105.

______. Isto não é um cachimbo. In: Michel Foucault: Estética: literatura e pintura, música e cinema. Ditos & Escritos. v. III. MOTTA, Manoel Barros da. (Org.). Trad. de Inês Autran D. Barbosa. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 247-263.


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