quarta-feira, 24 de setembro de 2008

BLADE RUNNER: MEMÓRIAS DE SI, MEMÓRIAS DOS OUTROS


Blade Runner (1982) é um filme americano, do gênero ficção científica, realizado por Ridley Scott e ilustra uma visão pessimista e futurista de Los Angeles, em 2019. Propomos discutir como a memória cria efeitos de sentido no filme, quer seja por meio da recorrência à teoria criacionista do mundo ou a símbolos que constituem a cultura visual da contemporaneidade. Neste filme, saltam aos olhos o suspense, a paradoxalidade e a dissonância entre elementos ao longo da narrativa. A tradição popular une-se à tradição intelectual e há uma ligação com o mundo mítico da unidade dos contrários como a relação eu-mundo, finito-infinito e criador-criatura.
Os replicantes são trazidos no filme como corpo criado à semelhança do ser humano, sendo mais forte e ágil e com inteligência semelhante – “mais humano que um humano”. Isso nos remete à memória judaico-cristã da própria criação do homem por Deus, um ser superior. Mais um ponto que desperta interesse é a questão da memória explicitamente figurada no replicante como algo necessário para controlar suas emoções, quer seja por meio de sonhos ou fotos, que lhe são implantadas a partir de experiências humanas reais. O ser humano é, por natureza, um ser de memória, que cria coleções, monumentos e santuários para mantê-la. Questionamos, pois, que lugar realmente a memória tem em nossas vidas? Até onde nossa memória não exerce um poder sobre nossas emoções e conduta? Seria ela mais um elemento explorado na combinação complexa de técnicas de individualização e de procedimentos totalizadores?
Ironicamente em busca do sobre-humano, do maravilhoso, Blade Runner é atravessado pelo sentimento de dualidade do mundo que condiciona o ser humano: mundo interno-externo; poesia - cotidiano futurista; tradição – inovação; essência - aparência; imaginação - realidade. A questão de se pensar uma luta entre seres humanos e replicantes evoca questões imemoriais: quem somos nós? De onde viemos? Para onde iremos? Por que não somos imortais? O que nos torna humanos? No filme, esse conflito figura através da caça em si aos replicantes que retornaram a Terra e é ilustrado pelo jogo de xadrez, em que indica as peças que poderiam ser excluídas segundo interesses do homem. Outra questão, ainda, neste jogo, mostra que os replicantes não aceitam uma vida curta, buscando a imortalidade como a “rainha”. Relacionam-se a idéia do xadrez e da imortalidade na descrição da partida de xadrez entre Tyrell (o criador) e J.F. Sebastian (o assistente), que reproduz a finalização da partida real entre Anderssen e Kieseritzky, em Londres, 1851, considerada a mais brilhante e conhecida por "The Immortal Game".
Com relação aos elementos simbólicos usados, destacamos o olho, com seu vasto campo semântico e metafórico, que se liga à vida ou à morte, figurando como expressão de sentimentos, retrato de estados de alma. Os olhos recebem destaque no filme quando os replicantes encontram quem os constrói e são focalizados longamente, trazendo a memória do olho como símbolo solar e da inteligência, do espírito inquieto e pesquisador, entrada da luz solar que clareia a inteligência e alimenta o espírito - os antigos adoravam o olho como símbolo de comunicação com Deus.
Com relação ao tratamento estético do filme, observamos que os contornos do mundo aparecem vagos, num jogo freqüente do claro-escuro, excelente para construir a atmosfera do estranho, do insólito, do onírico. Esse jogo constrói um outro que está na ordem do exercício de poder: de onde advém o poder da criação? Que status ocupa o homem nessa criação? Foi dado ao homem o poder de (re)criar?
Enfim, essas memórias e sua construção de efeitos de sentido delineiam a história de sujeitos em relações de poder, que os interpela em lutas transversais e imediatas e coloca em questão o estatuto do indivíduo. Todas essas lutas nos impõem a questão: quem somos nós?


Janaina de Jesus Santos
Mestranda em Lingüística - UFU
Museu Regional de V. da Conquista – UESB

Um comentário:

Jorge Ramiro disse...
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