quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Disciplina e controle do "mais forte"


“Pixote, a Lei do mais fraco” foi considerado um dos melhores filmes da década de 80, um drama brasileiro baseado na obra de José Louzeiro, “Infância dos mortos”, que trata da tragédia da infância traumatizada pela fome e pela violência, representado por crianças que viveram esse universo.
O personagem principal, Pixote, interpretado por Fernando Ramos da Silva, é um garoto abandonado pelos pais e recolhido a um reformatório depois da morte de um desembargador. Lá, o garoto de apenas 10 anos, tem contato com muitos outros jovens delinqüentes e, juntos, se preparam para viver no mundo que está do lado de fora. A casa para onde os menores são recolhidos no filme é um verdadeiro Panóptico de Bentham, figura arquitetural estrategicamente construída em forma de círculo com uma torre de vigilância de onde seria possível controlar os detentos. A figura do vigia na casa, aquele que dita as ordens, traz à tona a questão da sociedade disciplinar, alguém que mostra a forma como se dá o regimento interno da instituição.
Pixote e um grupo de garotos conseguem fugir do reformatório e, nas ruas turbulentas de São Paulo, encontram no crime uma forma de se manifestar e de sobrevivência, mantendo-se de pequenos assaltos. Ele e sua turma se aproveitam do estado de impunidade, uma vez que, sendo menores de idade, não seriam passíveis de condenação. Esta idéia está presente no próprio título do filme, o enunciado “A lei do mais fraco” produz um efeito de sentido que expõe o problema da proteção legal aos menores de 18 anos.
O Pavilhão Euclides da Cunha, instituto onde se passa o primeiro momento do filme, remete a dois lugares, em dois tempos: A casa dos jovens detentos em Paris e a FEBEM. Nestas três instituições disciplinares há um severo controle da rotina, onde existem horários e regras estabelecidas para cada atividade. O papel dos vigias, guardas, é fazer imperar a ordem do silêncio, o que condiciona o corpo a este sistema de coação, privação, obrigações e interdições que visam privar o indivíduo de sua liberdade.Em uma sociedade capitalista o desenvolvimento da polícia e da vigilância das populações são instrumentos essenciais de controle. O controle social na gestão dos corpos se exerce além das instituições criminológicas, nas psicológicas, psiquiátricas, médicas, pedagógicas e judiciais. Os mecanismos de vigilância abusam de todo tipo de penalidade para controlar através do terror. Os castigos não atuam somente no que fazem os garotos, mas sobre a capacidade que eles têm de fazer.
Durante vários momentos podemos verificar a presença de sujeitos que simbolizam a figura materna. A ausência que Pixote sente de sua mãe desaparecida é expressa através do encantamento e apego que o personagem demonstra por alguns elementos e personagens como Nossa Senhora, a psicóloga, a professora, Lilica (homossexual) e a prostituta. Essa carência de atenção faz com que olhemos com ternura o garoto, marginal, mas de infância perdida. O desequilíbrio familiar é pano de fundo para esta trama que trás a violência e o sonho, provocando um misto de sensações em uma realidade que incomoda.
Mas, no final de tudo ainda nos fica a pergunta: se as representações de Pixote nos remetem ao “fraco”, porque discipliná-lo/ controlá-lo. Não seriam essas técnicas e táticas o temor que desperta o “mais forte”?

Por Júnia Ortiz e Carolina Coelho (Comunicação Social - Uesb)

3 comentários:

ANA OLIVEIRA disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ANA OLIVEIRA disse...

Parabéns pelo excelente texto meninas! Pixote é um filme que traz dor e revolta. Mais que ficção, essa representação é uma triste realidade brasileira que insiste, a cada dia, em se tornar pior. Passaram-se quase três décadas e tudo continua igual. É um absurdo aceitarmos isso. Quantas crianças continuam tendo suas infâncias roubadas e assumindo uma identidade de "trombadinha" por falta de um Estado que cumpra o seu papel e por culpa de uma sociedade hipócrita e egoísta? É muito fácil querer separar a população entre “bandidos” e vítimas para impor aos aparentemente mais fracos a culpa por toda a desorganização social em que vivemos. O controle faz com que os sujeitos permaneçam sempre na mesma posição; é o que faz o Pavilhão Euclides da Cunha. Na verdade, somos todos culpados e vítimas ao mesmo tempo, mas não queremos compreender isso.
Temos uma pequena parte da população desfrutando das riquezas do país, enquanto outras morrem de fome. E, depois, não sabemos por que tanta violência? Ela é apenas conseqüência de todo um processo marcado pela extrema desigualdade social brasileira e pela falta de amor ao próximo.
Essas crianças, os ‘pixotes’ do Brasil, vivem passando fome, sem carinho, sem proteção, sem acesso à educação, saúde, moradia e todos aqueles direitos que existem apenas no papel. Pessoas que vivem às margens, sem ter oportunidade de superar suas limitações. Não quero dizer com isso que estão destinadas ao crime, mas propícias à revolta, frustrações e traumas que podem chegar a conduzí-las ao submundo pelo qual o personagem principal do filme passou.
(Lembrando o "estado de natureza" explicitado por Thomas Hobbes) Uma terra assim não parece ter justo nem injusto, porque parece não haver lei. Em um lugar assim cada um faz a sua própria lei segundo as suas necessidades, forças, e de acordo com as circunstâncias em que vive.
A questão da maioridade penal é bastante complexa, não me julgo capaz de defender uma visão a respeito do assunto. É claro que sabemos que o fato de não poder ser punido antes dos 18 anos de idade não é real, porque para que punição pior do que a enfrentada por aqueles meninos do reformatório do filme? "A lei do mais fraco" (ou talvez do mais forte, porque realmente causa temor) me parece ser uma forma de resistência à exclusão histórica enfrentada pelos "pobres" neste país.

Unknown disse...

Melhor filme nacional até hoje ..... conta a realidade de nossas crianças e o descaso das nossas autoridades.