segunda-feira, 8 de setembro de 2008

FREAKS: "O CIRCO DOS HORRORES"


Freaks é um filme de 1932, mas que só veio ter o seu momento de glória nos anos 1960. Foi considerado um filme forte por retratar as misérias humanas, por fazer das deficiências dos sujeitos um espetáculo de horror. No seu ano de produção o mundo vivia o terror sob o comando de Adolf Hitler, o ditador que queria o poder sobre a Alemanha para instituir a raça ariana, a raça pura. O mundo estava em pânico e, como a concorrência entre as empresas cinematográficas era gritante, seria preciso criar um filme exclusivo, com “monstros de verdade”. Foi aí que nasceu a idéia de contratar pessoas com deformidades físicas para compor o filme.
A estória conta com a participação, na voz da maioria dos críticos, de um triângulo amoroso: Cleópatra (trapezista) que ama Hércules (domador) e é amada por Hans (anão). Mas, eu ousaria chamar de quarteto amoroso, já que Hans é amado pela anã Frieda. Cleópatra e Hércules, o casal “normal” são amantes e, ao descobrirem que Hans é herdeiro de uma fortuna, armam a trama em que Cleópatra fingirá estar apaixonada por Hans, casando-se com ele, para após o casamento, envenená-lo e ficar com seu dinheiro. No entanto, o plano é descoberto pelos “monstruosos” amigos de Hans, salvando-o da armadilha que destruiria sua vida.
O filme tem início com a seguinte expressão: “vocês verão monstros de verdade, que vivem e respiram como a gente...”, enunciado carregado de efeitos de sentidos, apresentando sujeitos como animais exóticos, como algo que nunca pudéssemos imaginar que existisse no mundo. A linguagem utilizada denota horror e a separação desses sujeitos no grupo da raça humana, como se eles não fossem seres humanos, mas espécies de outro planeta, extra-terrestes, se assim podemos dizer. O filme, contudo, vai se tornar ao mesmo tempo um lugar de segregação e resistência aos modelos sociais corporais.
A partir da ótica da Análise do Discurso, essa obra traz consigo alguns elementos que merecem destaque: a deficiência como anormalidade, a segregação do sujeito, a espetacularização do corpo “feio”, a moralidade dos sujeitos. Assistir Freaks é mergulhar em um universo de sentidos e “verdades” inacreditáveis. Uma estória que se passa em baixo da lona de um circo, lugar que simboliza de alegria e diversão. Entretanto, nesse contexto trata-se de um show de “monstruosidades”. Os sujeitos com suas deficiências específicas são mostrados ao público como motivo de medo e piada. São expostos sem qualquer vestígio de respeito ou profissionalismo da arte que desenvolvem no picadeiro.
A moçinha do filme, a trapezista Cleópatra, dita como “normal”, é linda e ao fim de sua apresentação os aplausos são incontáveis; em contrapartida, para os “monstros”, como são chamados, os aplausos vem porque trouxeram risadas ou terror para os espectadores. Os “normais” convivem com os “anormais”. Todavia, isso acontece para a criação de uma moralidade, que busca dizer que existe sim uma distinção entre a raça humana.
Temos nesse filme uma segregação a olhos nus, uma vez que contracenam corpos tidos como “normais” e “anormais”. Porém, esses sujeitos e seus corpos se distanciam a partir do momento em que os “anormais” não são vistos como “lindos” ou “espetaculares” nas suas apresentações, mas como as “aberrações” (os “Freaks”) presentes no mundo que precisam ser conhecidas pela sociedade. Quanto à moralidade, pode-se perceber que os verdadeiros “monstros” são os “normais” da estória: Cleópatra e Hércules, os malvados e corrompidos pela ganância da cobiça. E que os “monstros” não passam de sujeitos “normais”, que têm suas habilidades, fruto de suas necessidades diárias, exploradas pela sociedade.
Freaks é um filme para quem quer compreender que a sociedade humana é composta por sujeitos com características distintas, para quem acredita na diversidade e vive as diferenças. Um filme, sem dúvida, de sujeitos comuns, que vivem as batalhas do cotidiano. Se você não tem medo de ver na tela às mesquinharias de uma sociedade e abomina o preconceito, parabéns, você está apto a assistir Freaks. Bon appétit!
Por Luara Vieira

5 comentários:

deni disse...

O corpo que muda ao longo do tempo e sim o nosso olhar/novo olhar/discurso sobre ele. Como não comungar com essa colocação?
Gostaria de ressaltar que no filme não percebi a mudança do discurso do corpo com relação aos corpos "anormais" as "aberrações", por parte daqueles que representam os corpos "normais", os aceitos para a ordem instituída ( Hércules e Cleópatra).Houve um mascaramento dos seus discursos segundo suas intencionalidades econômicas. Mas é visível a mudança do discurso/reação/aceitação dos corpos historicamente excluídos e estigmatizados por parte daqueles que os constituem. Caberia aqui Marx? "Proletários do mundo inteiro uni-vos"? Corpos que violam o padrão legalmente instituído uni-vos. Contra quem? Quem é o Hercules e a Cleópatra na atualidade? Por certo Luana também nos apontou-os.
Ousada ou contraditória, a forma de reação dos corpos violadores da ordem no filme? Poderíamos refletir: tornar o corpo belo/alto/aceito... , em um novo corpo, "anormal", é o caminho para aqueles que produzem e reproduzem os estereótipos de corpo "normal" e "anormal" mudem seus discurso? Ou tornar o outro igual a mim, "defeituoso, é estabelecer a ordem? Quem sabe... Será que foi essa a intencionalidade das "aberrações" de FREAKS? Ou tornar o outro corpo/padrão igual ao meu é uma lição/castigo? Se assim o for então também internalizei o discurso estereotipado e excludente da sociedade perfeita e assumo que sou realmente uma "aberração". Claro que o exercício da não internalização, produção e reprodução desse discurso é uma atividade complexa, pois quem disse que é fácil nadar contra a corrente? Não é simples se afirmar positivamente em uma sociedade que precisa de critérios de comparações.

Denise

deni disse...

"Não é o corpo que muda ao longo do tempo e sim o nosso olhar/novo olhar/discurso sobre ele". Como não comungar com essa colocação?
Gostaria de ressaltar que no filme não percebi a mudança do discurso do corpo com relação aos corpos "anormais" as "aberrações", por parte daqueles que representam os corpos "normais", os aceitos para a ordem instituída ( Hércules e Cleópatra).Houve um mascaramento dos seus discursos segundo suas intencionalidades econômicas. Mas é visível a mudança do discurso/reação/aceitação dos corpos historicamente excluídos e estigmatizados por parte daqueles que os constituem. Caberia aqui Marx? "Proletários do mundo inteiro, uni-vos"? Corpos que violam o padrão legalmente instituído uni-vos. Contra quem? Quem é o Hercules e a Cleópatra na atualidade? Por certo Luana também nos apontou-os.
Ousada ou contraditória, a forma de reação dos corpos violadores da ordem no filme? Poderíamos refletir: tornar o corpo belo/alto/aceito... , em um novo corpo, "anormal", é o caminho para aqueles que produzem e reproduzem os estereótipos de corpo "normal" e "anormal" mudem seus discurso? Ou tornar o outro igual a mim, "defeituoso, é estabelecer a ordem? Quem sabe... Será que foi essa a intencionalidade das "aberrações" de FREAKS? Ou tornar o outro corpo/padrão igual ao meu é uma lição/castigo? Se assim o for então também internalizei o discurso estereotipado e excludente da sociedade perfeita e assumo que sou realmente uma "aberração". Claro que o exercício da não internalização, produção e reprodução desse discurso é uma atividade complexa, pois quem disse que é fácil nadar contra a corrente? Não é simples se afirmar positivamente em uma sociedade que precisa de critérios de comparações.

Denise

DE QUÊ SE OCUPA O GEPAD? disse...

O filme é extraordinário para nos revelar o quanto temos dificuldade para lidarmos com o diferente. Mesmo quando Cleo se torna um "monstro", ela não é aceita porque o "diferente" foi imposto para aqueles que conviviam como "pares normais". Aceitamos somente aquilo e aqueles que consideramos "normais" e reafirmamos a cada instante o nosso horror pelo "diferente" que é aterrorizante por fugir dos padrões de normalidade.

Rafael Carvalho disse...

Ótimo texto Lu, para um ótimo filme. Ele mostra que os verdadeiros monstros estão escondidos mais pelas atitudes dos seres humanos do que propriamente pela suas características físicas. E se o filme foi feito na década de 30, é impossíve não pensarmos na nossa sociedade atual e os dogmas da beleza perfeita ditadas pela mídia. E também é possível pensar nas atrocidades cometidas pelas pessoas "normais", mas que são as verdadeiras aberrações.

Unknown disse...

Caros amigos.
Não se trata de comentar, mas sim de consultá-los sobre se este filme se refere a uma estória ocorrida na Europa; talvez Alemanha, onde um médico; cirurgião plástico "por errar", refugia-se num circo onde disfarçado continua seu trabalho até que uma de suas pacientes o reconhece e...
Tenho uma filha com 15 anos e (uma pai velho0, venho tentando através dos filmes antigos, quando ainda não eram feitos pela "retinasfinanceirasemporque", o objetivo é mostrar a futilidade dos autores sem compromisso histórico com a humanidade; gosto muitíssimo de Vidas amargas; O vento levou; Assim caminha a humanidade; o colecionador; Barbarela; Juventude transviada; Ao Mestre com carinho;... e até Estes maravilhosos homens e suas máquinas voadoras.
Em fim, caso se refira pelo filme descrito peço que me ajude no sentido da compra ou aluguel, procuro também “Um dia um Gato”.
Gratíssimo;
Milton; pai da Sasá!
fone 2468 3646